Carta aberta aos Ministros do STF

Poucas ações revelam tanto sobre as pessoas quanto a falta de interesse em conhecer os fatos e os acontecimentos da vida de outras pessoas que estão além das paredes de nossas casas, escritórios ou gabinetes. A falta de empatia que alguns demonstram ao se deparar com a realidade dos outros, escapando para o desprezo pelo sofrimento daquele outro ser humano não deve ser compactuada, ainda mais quando se (mal) trata de trabalhadores do mesmo poder.

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Essas ações foram vistas no julgamento do STF no MI   4204, que tratava de contagem diferenciada do tempo de serviço para fins da aposentadoria especial de servidor público que teria exercido atividade em condição insalubre. Durante o julgamento, um dos ministros fez menção a outro pedido que tramita naquele tribunal para reconhecimento de tempo especial para aposentadoria para Oficiais de Justiça e adotaram um tom jocoso aos seus comentários sobre essa questão. Esse tom desrespeitoso partiu do Ministro Fux, ao revelar um (apenas um!) exemplo de violência, que foi justamente o assassinato de um Oficial de Justiça da Justiça do Trabalho, ocorrido no interior do Estado do Rio de Janeiro em 2014, quando no desempenho de suas funções, ou de forma mais clara, foi morto quando e porque foi efetivar o ato determinado pelo Juiz.  

Os comentários e comparações, aos risos, foram feitos pelos Ministros Fux e Lewandowski.  O vídeo da sessão demonstra que essa reação foi logo em seguida ao Ministro Fux relatar, em detalhes, o homicídio do colega. A seguir, foram feitas comparações de nossa atividade com motoristas de táxi, motoboys, médicos psiquiatras, além de algum dos Ministros manifestar a preocupação com os seus pares em determinados julgamentos.

O caso demonstra o mais completo desconhecimento da atividade do Oficial de Justiça e dos vários casos que ocorrem neste país em que somos vítimas de violência quando, especificamente, quando no cumprimento dos mandados (sem contar os atos de violência em que Oficiais são vítimas porque transitam lugares de extrema insegurança e violência, bem como entram em contato com pessoas que fazem da violência seu cotidiano). Seria aceitável, se não fossem esses comentários proferidos pelo próprio presidente do STF e respectivos ministros, que têm a obrigação de conhecer a realidade pela qual passam os servidores públicos que trabalham no Poder Judiciário (inclusos Juízes) nos mais distantes lugares desse país.

Como é possível que compare um servidor público que porta uma ordem do Estado com outros profissionais que não têm essa responsabilidade? O oficial de justiça está em bairros e locais de alto risco. Levam mandados que acarretam ações que podem significar um ato de violência contra a pessoa para qual é dirigida a ordem. Então, como é possível que ignorem que o trabalho constante na rua e diretamente com as partes oferece risco muito maior do que ficar em um prédio protegido por agentes de segurança e serviços de segurança privada?

A única explicação é a falta de interesse em conhecer os fatos e os acontecimentos da vida das pessoas que estão além das paredes de seus gabinetes. É desestimulante, para dizer o mínimo, receber tamanho desprezo daqueles que deveriam preocupar-se com o apoio que os Servidores do Judiciário necessitam para o desempenho de suas funções, nesse caso específico os Oficiais de Justiça (Servidores  com “s” maiúsculo, pois sem eles o Judiciário não funciona).

A associação referida pelo Ministro Fux tem um dossiê com mais de duzentas páginas, relatando diversos casos de violência contra Oficiais de Justiça. Um pouco mais de interesse seria suficiente para que tomassem ciência dessa documentação já entregue em seus gabinetes.

Não vamos esquecer o outro aspecto, que pode ficar acobertado pelo desinteresse sobre nossa atividade, e que é a falta de empatia em relação ao outro. Esse, revelado nos risos e comentários depreciativos da atividade e de seus riscos, a partir do exemplo citado pelo Ministro Fux. Ficou evidente a mais absoluta falta de respeito com aquele ser humano e seus familiares, bem como com outros colegas mortos nas mesmas circunstâncias e vários que sofreram agressões físicas (de leves a graves) e até tortura. É como se ali no julgamento essas vítimas e seus familiares sofressem mais um tiro, mais uma agressão, mais violência. Esse desrespeito é inaceitável.

Não se quer uma decisão corporativa. Não é porque somos parte do Poder Judiciário que a decisão deve ser favorável ao nosso pedido. Queremos que os Juízes se convençam da melhor decisão a ser tomada para obter Justiça aos demandantes. Se for outro o convencimento, também devidamente fundamentado, será uma decisão tão respeitada quanto a primeira. O que não aceitamos é o desprezo pelo nosso cargo e pelas pessoas que ocupam esses cargos, revelado na aludida sessão de julgamento.

Assista o vídeo abaixo

Convidamos a todos os Oficiais que  manifestem para os Srs(as). Ministros(as) a sua inconformidade, podendo enviar emails para os endereços abaixo:

audienciasgilmarmendes@stf.jus.br

audienciacarmen@stf.jus.br

gabmtoffoli@stf.jus.br

gabineteluizfux@stf.jus.br

audienciasrw@stf.jus.br

audienciamlrb@stf.jus.br

1 Art. 489 parágrafos e incisos do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16/03/2015).

 

Sexta-feira, 08 de maio de 2015.

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